segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O ESPÓLIO DE SARNEY

Franklin Douglas (*) 

Não, cara leitora, caro leitor, não estou a anunciar nenhum agravamento no quadro de saúde, nem a torcer pela morte do senador amapo-maranhense José Sarney.

Ao contrário, tal como o amigo Wagner Baldez, prefiro vê-lo vivíssimo, presenciando a derrota de sua oligarquia nas ruas, em 2013, com a cassação do mandato da filha pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e nas urnas, em 2014, com seu candidato a governador.

Seja pelo processo histórico, seja pela idade, o que está em questão com a proximidade do fim do ciclo da política maranhense diretamente liderado por José Sarney é isto: a disputa de seu espólio. E, para além da contenda pelo patrimônio familiar, declarado em R$ 125 milhões:

1) O espólio econômico, a interlocução com o grande capital e suas investidas no Maranhão (na área mínero-metalúrgica, financeira, imobiliária e do agronegócio);

2) O espólio institucional, a influência junto aos poderes constituídos na República e no Estado do Maranhão;

3) O espólio midiático, a sociedade com a Globo, rede de rádios, televisão e sites nas principais cidades do Maranhão;

4) O espólio político-eleitoral!

Após o governo de José Sarney (1966-1970), o Maranhão teve nove governadores. Três eleitos indiretamente: (1) Pedro Neiva de Santana (1971-1974), (2) Nunes Freire (1975-1978) e (3) João Castelo (1979-1982). Seis eleitos diretamente: (1) Luís Rocha (1983-1986), (2) Epitácio Cafeteira (1987-1990), (3) Edison Lobão (1991-1994), (4) Roseana Sarney (eleita para o mandato de 1995 a 1998; reeleita para o período 1999-2002; de volta ao governo por determinação do TSE entre 2009-2010; eleita para o mandato iniciado em 2011), (5) José Reinaldo (2003-2006) e (6) Jackson Lago (2007 a 2009, quando cassado pelo TSE).

De todos, somente Jackson Lago se elegeu sem o apoio de José Sarney. Os demais contaram com seu aval, embora ele renegue essa responsabilidade. São 16 anos que o Maranhão mantém-se diretamente sob administração da família Sarney, em 47 anos de exercício do poder pelo seu grupo; ainda que tenha havido algum contencioso aqui e ali, como com Pedro Neiva e Nunes Freire, durante a Ditadura Militar, as relações sempre foram devidamente ajustadas pelos generais e pelo Planalto.

Nesse período, além do Executivo, o sarneismo mantém sob absoluto controle o Judiciário, grande parte da bancada de deputados federais maranhenses, todos os senadores do Maranhão, o Legislativo estadual em sua maioria avassaladora, quase todas as Câmaras Municipais, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a maioria das 217 prefeituras municipais, os cargos federais no estado. Nem o Ministério Público do Estado (MPE) mantém independência, salvo raros promotores de Justiça. Ou seja, o aparelho do Estado por quase todo completo.

É esse o espólio em disputa por duas das três principais correntes ideopolíticas do Estado: a oligarquia e suas frações, divididas entre os interesses do pai, dos filhos, da filha e do genro; e a oposição consentida, cuja expressão eleitoral maior, no PCdoB, busca liderar a oposição conservadora (PSDB) e as dissidências do grupo oligárquico (clãs Coutinho, Rocha, Holanda etc). A oposição de esquerda, partidária (PSTU/PSOL/PCB) e social (dos movimentos e juventude em resistência e luta), rejeita essa alternativa “seis por meia dúzia” e aposta na reconstrução do caminho perdido com a chegada do PT ao governo e sua adesão à oligarquia.

Na estratégia de ganhar com as armas do inimigo, o mais bem-sucedido tem sido o ex-governador José Reinaldo Tavares: foi o único que derrotou José Sarney, em seu rompimento em 2005, quando reuniu todas as forças oposicionistas e contribuiu decisivamente para a eleição de Jackson Lago em 2006. Pode, uma vez mais, derrotar o ex-tutor, com o processo de cassação do mandato de Roseana por abuso de poder econômico, no TSE.

Tavares não herdará o espólio, mas demonstrou ter aprendido muito bem as lições de quem tem controlado o Estado do Maranhão por quase cinco décadas. Ante a hesitação de seu candidato a governador em entrar, em 2010, com a ação judicial contra sua oponente, a fim de não inviabilizar seu espaço no condomínio do lulo-PMDB-petismo no Planalto, José Reinaldo tomou para si a responsabilidade: com o pedido de cassação novamente andando no TSE, poderá uma vez mais fazer história. Mostrou que para fazer política, tem que ter lado! Tem que dar combate!!

Foi o que Sarney fez com Jackson, em 2006, no estilo Carlos Lacerda – “se ganhar, não toma posse; se empossar, não termina o governo”:

“A vitória de Roseana está assegurada (…) [o processo das eleições] será julgado pela Justiça Eleitoral, não apenas no Maranhão, mas nas instâncias superiores, isentas e soberanas” (artigo de José Sarney “A hora da decisão”, em O Estado do Maranhão, 29/10/2009). No voto, na fraude, nos tribunais, tem sido assim as vitórias da oligarquia… vale a pena ganhar com os sujeitos, ainda que dissidentes, desses mesmos métodos?

Como bem anota o advogado Luís Antonio Pedrosa, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, “essa tendência ao velório, como solução de impasses políticos, não é nova. Retrata uma incapacidade de superação de debilidades, internas ao próprio bloco oposicionista. É mais fácil desejar morto o adversário que vencê-lo vivo, por certo. Vencer um defunto é o melhor desempenho dessa oposição, porque parece tanto com o adversário, que não lhe resta outra opção. Morto o adversário, perderíamos o referencial a partir de onde o povo reclamaria a diferença” (página pessoal no Facebook, 02/08/2013).

Às ruas pela cassação do mandato adquirido na fraude pela governadora Sarney, movimentos e juventude! Somente por esta via poderemos avistar no horizonte um projeto de sociedade alternativo ao que vem sendo implementado desde as origens do Maranhão.

Parafraseando um colega professor, o sarneismo sem Sarney não é o horizonte da esperança e nem das transformações políticas desejadas pela maioria do sofrido povo maranhense.
 
(*) Franklin Douglas - jornalista, professor e doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve para o Jornal Pequeno aos domingos,  quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno  (edição 11/08/2013, p. 16).

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